Recentemente no Quintal, algumas famílias nos abordaram com a dúvida: -Do que chamamos vocês? Professoras ou Tias?Aqui não é uma escola, portanto o termo “tia” parece mais apropriado.
Comecei a revisitar materiais de aulas de professores e professoras de referência na minha trajetória, textos, teóricos e sites de estudo. Segue uma síntese dessa reflexão:
Costuma-se dizer que: o termo “tia” remete à afetividade e confiança na relação adulto (a)- criança e que a busca das famílias na primeira infância é por um espaço que seja extensão da casa e da rotina familiar, na maioria das vezes.
Diante disso, é natural que as famílias acreditem que o termo “tia” seja mais adequado na primeira infância.
De fato procuramos aqui no Quintal embasar nosso trabalho na construção de vínculos. Priorizamos a afetividade nas relações e acreditamos que o desenvolvimento, a exploração do espaço, do próprio corpo e a segurança dos/das pequenos(as) são consequências dos vínculos afetivos criados. Porém, não acreditamos que nosso espaço é uma extensão da casa. Tanto é que as crianças logo percebem que os limites que têm em casa são completamente diferentes dos que existem no Quintal e vice-versa.
A afetividade na primeira infância é indissociável da cognição. Entretanto, a criança não se sente segura e feliz naquele espaço porque sua família trata aquela pessoa adulta de referência como “tia” e sim porque o ambiente (e isso envolve as educadoras e os tratamentos utilizados) é acolhedor, afetuoso e respeita suas individualidades.
Acreditamos que só conseguimos criar essas relações afetuosas ao olharmos cada criança individualmente, tratando-as pelos seus nomes e não por “crianças” como um grupo genérico e homogêneo.
Porque então acreditaríamos que as figuras adultas naquele espaço devem ser nomeadas por um termo tão genérico quanto “Tias”?
As relações que se criam entre adultos(as) e bebês /crianças são tão complexas quanto relações entre adulto(as) da mesma faixa etária ou geração. Nos identificamos com algumas crianças mais do que outras, criamos vínculo afetivo mais rápido com algumas delas, trocamos olhares de cumplicidade com algumas mais facilmente e com outras exige-se mais dedicação e presença. Isso porque nessa relação respeitosa entre educadora – criança, aprende-se (de ambos os lados) sobre identidade.
A criança chamada pelo nome aprende sobre si próprio: quais meus medos, inseguranças, como me sinto diante dessa situação? O nome de cada um é a representação de sua própria história. Da mesma forma ela aprende que a pessoa adulta de referência no Quintal não é a mesma de casa e que essa pessoa tem um nome. Faz parte do desenvolvimento cognitivo saber que cada educadora tem um jeito de ser, um brincar diferente, um carinho característico.
Procuramos refinar nossos olhares e nos atentarmos para o sensível de cada ser individual que compõe aquele grupo nada homogêneo. Chamamos cada criança por seu nome, olhando no olho de cada uma, evitando afirmações genéricas e generalizadoras, do tipo “as crianças gostam de brincar assim”, “as crianças comem dessa maneira”. Por sua vez, ao nos referirmos a uma educadora a chamamos pelo nome dela evidenciando que aquela pessoa também tem suas individualidades e particularidades e não se resume a uma “tia” (deixando de reforçar o esteriótipo de que as tias são sempre doces e divertidas, por exemplo).
Por fim, continuemos a considerar as individualidades de cada pessoa que compõe nosso grupo do Quintal da Vila, seja ela adulta ou criança. Prezar pela identidade (e criação dela) e respeitar cada ser humano único desse grupo é, de fato, uma demonstração de afeto sem igual.
Iara Coutinho